sábado, 20 de abril de 2013

Cartão de Fidelidade

Tripulação, portas em automático. Decolagem autorizada para entrar em ação à lógica que impera no mundo dos negócios, especialmente com a ampliação das fronteiras comerciais: o avião passou a ser um dos principais meio de acomodação dos executivos.

À medida que aumenta as milhas de voo diminui o poder de pontuação com a família. Cartões de fidelidade seja ele gold, platinum, diamond, branco, azul, vermelho ou preto, oferecem a troca de milhas por passagens aéreas, que nem sempre se revertem em prol do lazer, mesmo porque eles somente possuem tempo para o trabalho.

Milhas nas alturas, relacionamento pessoal na pista de pouso, pronto para não decolar. Acrescenta-se a isto o fato das viagens serem nos fim de semana e muitas vezes de madrugada, eliminando de vez o convívio com os filhos, esposa e amigos. Um cardápio perfeito é servido ao passageiro fiel: sanduiche quente, barra de cereal, água, refrigerante e amendoim, em substituição a um jantar no ambiente da familiar.

O aconchegante sofá da sala é trocado por assentos apertados que impedem as pernas de serem esticadas adequadamente, a não ser no assento conforto pelo qual se paga um pouco mais por uns centímetros de menos. A mesa de servir refeições e lanches torna-se um escritório móvel dotado de computador e relatórios.

Em nome do fator tempo, fala ao celular mesmo quando as comissárias de bordo pedem para que os aparelhos eletrônicos sejam desligados. Privação do sono, coquetel de remédios, alimento processado, assento vendido em duplicidade e criança chorando ao lado, passam a serem ocorrências naturais.

Algo muda quando ele volta à rotina de pai ou de chefe, descarregando na família e nos subordinados toda a raiva e desconforto contidos em horas de voo, atrasos e espera em aeroportos. Exatamente isto, desperdiça seu tempo em filas quilométricas nos pontos de embarque, conexões e remarcações.

Grita e esbraveja no check in, porém, ao final resigna-se. Certamente recuperará o tempo desperdiçado viajando nos finais de semana, conquistando mais algumas milhas em prol do trabalho. Faz isto para não comprometer a sua eficiência, marcando inclusive reuniões ou entrevistas no saguão do aeroporto.

Os ponteiros do relógio giram, mas ele continua encontrando uma maneira de ganhar tempo. Assim, um simples extravio de bagagem não será problema, pois ele viaja de terno, calça social e gravata, mesmo porque isto o destaca dos demais passageiros, proporcionando-lhe a continuidade do status de homem de negócio.

Como andar de sandália, bermuda e camisa casual são para homens comuns, isto não lhe passa pela cabeça. Temos assim, uma verdadeira distorção do caráter humano, pois se mede a capacidade intelectual do indivíduo não pelo conhecimento, mas pela roupa que se veste. Se pensarmos profundamente, tudo isto é vaidade e ilusão, pois independentemente do cargo que se ocupa, na aeronave o executivo é apenas mais um, sendo identificado como passageiro do assento 01C, 15A e 23B.

Nesta rotina desenfreada turbina-se o desequilíbrio mediante a fidelidade as companhias de negócio e consequentemente, as companhias aéreas, em detrimento da fidelidade matrimonial no sentido do relacionamento humano, presencial e caloroso. Acompanha-se a queda do serviço de bordo, o aumento do preço das passagens e as intermináveis filas nos aeroportos, mas não se acompanha o crescimento e desenvolvimento dos filhos.

É sempre assim, o vício ao trabalho está na cabine de comando do executivo e em caso de overbooking, as pessoas que ele mais ama e admira, serão remanejadas para o próximo voo, se houver vaga.

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