sábado, 31 de agosto de 2013

Baião de Dois

Comida típica da região nordeste, o baião de dois é uma mistura de arroz com feijão, sendo cozidos em conjunto, porém com diferentes níveis de cozimento para atingirem o equilíbrio no preparo. Esta combinação humilde e popular, conhecida além das fronteiras, como mouros e cristianos, ao mesmo tempo em que sustenta milhões de brasileiros e conquista espaço na culinária especializada, está sendo depreciada pelas pessoas que se dirigem ao trabalho apenas para fazer o feijão com arroz.

Isto significa dizer que trabalham exclusivamente visando a manutenção das necessidades básicas, ou seja, para garantir a subsistência, o que limita a aspiração profissional a meros grãos. O fato de acordarem de madrugada e, enfrentarem um trânsito caótico, perdendo longo tempo em filas quilométricas, não justifica a dedicação e o comprometimento milimétricos, afinal são conhecedores de suas obrigações, antes mesmo de iniciarem sua primeira jornada.

São pessoas que adoram repetir o mesmo prato e saborear comida requentada devido à preguiça de fazer algo novo, demonstrando que atuam por meio de gestos repetitivos e mecânicos, mesmo quando é possível utilizar a criatividade para dar ao trabalho um sabor especial.

Ocorre que a marmita que carregam no embornal para alimentar seus propósitos, além de fria na motivação, não possui o tempero necessário para despertar o próprio apetite da satisfação profissional. Na verdade o seu conteúdo é tão peculiar, que consegue ser ao mesmo tempo insosso e salgado, na medida em que desidrata a perspectiva da melhora contínua.

Enquanto se esbaldam na glutonaria da rotina, elas matam de fome e inanição a vontade de cooperar, contribuir e crescer. As calorias motivacionais são tão baixas que servem apenas para garantir um esforço físico básico, que ao ser transformado em suor, demonstra que a transpiração supera a inspiração.

Assim, a produtividade é substituída pela ocupação, pois não se doam, engajam ou comprometem com os propósitos geradores da verdadeira riqueza, o qual os levará a cargos cada vez mais desafiadores e remuneradores. O gasto de energia com o pensar, refletir, questionar, aprimorar, planejar, emocionar, apaixonar que desenvolvem o intelecto humano, conduzindo a um estado pleno, é poupado ou limitado pela inércia, ou seja, falta de iniciativa.

É o conhecimento humano deixando de ser o prato principal, ao perder sua capacidade de dar ao trabalho um sentido único, ímpar e diferenciado. Temos aí um alimento servido em um prato raso que não enche a barriga de ninguém.

Quéops, Quéfren, Miquerinos e as Pirâmides em Ruínas

As pirâmides do Egito construídas em uma época em que a ciência matemática não era conhecida pela maioria dos povos, constituem-se em uma das obras mais imponentes, intrigantes e enigmáticas da humanidade, sendo pelas suas próprias características, amplamente utilizadas pelas empresas como símbolo máximo da hierarquia de seus organogramas.

Enquanto elas possuem quatro faces triangulares de medidas praticamente exatas, convergindo para um mesmo vértice, as empresas são formadas por uma pirâmide de inúmeras e diferentes faces que convergem para um único vértice humano, em uma subserviência e obediência cega que impede a expressão de ideias, contradições e opiniões, fontes primárias da criatividade e inovação.

Assim, como as pirâmides representam os raios solares brilhando em direção a terra, baseado na áurea de que os reis após a morte seriam elevados ao sol e se juntariam aos deuses, o líder é a representação máxima de poder, escondendo ou esquivando-se atrás da hierarquia e disciplina, atuando como um ser inacessível aos súditos, que ficam apenas comendo areia nos imensos desertos que se criam nas empresas.

Ao decifrar este enigma, verifica-se que o destino profissional da maioria absoluta que sustenta a base é definido sem que elas tenham suas percepções ouvidas e entendidas, desta forma suas necessidades, acabam sendo cobertas pelas teias e poeira da indiferença.  Assim, o alinhamento entre os valores da empresa e dos empregados, bem como a contratação e recontratação de expectativas deixa de existir afetando todas as partes interessadas.

Neste cenário desolador, cada bloco de calcário representa uma pessoa, cuja união de forças origina uma imensa classe assalariada, mas que não consegue atingir um objetivo comum e nem oferecer ao trabalho um propósito. Ocorre que a ligação ou junção destes empregados é fragilizada pela administração lenta, burocrática, centralizada, complexa e confusa, abrindo arestas e frestas de insatisfações e indignações. Um ambiente em que procedimentos andam sobre camelos e dromedários, pisoteando constantemente a simplicidade que rasteja como uma serpente.

Nesta paisagem dominada por cargos, distâncias e desigualdades faraônicas, pessoas se tornam meros turistas, guiados de um lado para outro em movimentos repetitivos, sem nenhum oásis de satisfação por perto, onde a melhoria das relações baseada no saber ouvir, dialogar e separar posição de interesse é apenas uma miragem.

Não existe convivência, ou seja, ampliação da janela de risco pela exposição e vulnerabilidade, que neste caso seriam vistas como uma grande possiblidade de fortalecimento do caráter humano. Enquanto as pirâmides orientavam-se pelo eixo solar, a liderança perdeu sua orientação ao não compreender que o eixo das relações humanas mudou, ou seja, a acreditação de uma empresa é feita por um único fator social, o empregado regular.

Ao invés de poder e dinheiro as pessoas estão sedentas por conhecimento, respeito e reconhecimento, enfim satisfação profissional. Longe do rio Nilo, ou seja, distante das águas da sabedoria, a liderança não consegue matar a sede da vaidade, sendo responsável pelo próprio embalsamento e mumificação.

Assim, resta aos líderes serem guiados pelos corredores subterrâneos da incompetência, rumo à câmara mortuária da má gestão, atrapalhando o descanso eterno de Quéops, Quéfren e Miquerinos.